Thursday, October 26, 2006

...Absolutamente,

Perdeste tua última chance de ser feliz
Estou partindo para não mais voltar.
Não escolhi assim, você foi que o quis!
Não adianta insistir nem me esperar.

Minha decisão está há muito tomada.
Quero somente, antes de seguir, beijar-lhe!
Sei que não é possível fazer mais nada...
Queria, ao menos pela última vez, abraçar-lhe!

Tinha um mundo todo preparado para nós,
Mas você com um único gesto tudo destruiu!
Destruiu nosso castelo, calou minha voz...
Até meu sorriso, tão expansivo, sumiu!

Na estrada, a solidão será minha companhia!
As lembranças deste amor ficarão pelo chão!
Quero esquecer, para sempre, que um dia
Deixei o amor penetrar em meu coração!


André Breton

26/10/2006.

Tuesday, October 24, 2006

O Poema mais Triste do Mundo


Veja este rosto estático e cansado
Acompanhado de olhos sem planos
Pois bem este semblante derrotado
Pertence a um jovem de vinte anos

Perguntará, talvez, o que aconteceu
Para que flores ainda tão viçosas
Já estejam adoçadas, assim, de tanto fel
Possuídas de forças demasiado venenosas

Digo-lhe, porém, que contemple ao redor
E se encontrar em tudo que olhar
Algo que não esteja repleto de dor

Aceitarei resignadamente sua reprimenda
Mas quem sabe observando você compreenda
Que para, nós jovens, nada de bom restou.


Aracati-Ce., 05 de outubro de 2006.

André.


Noturno e Solitário


Nem percebi que estou sozinho aqui...
Duas guerras abalaram o mundo
E eu continuei com meu piano em Si
Menor executando esse noturno profundo.

Sou, quem sabe, o último louco...
As crianças de hoje já nascem calculando!
Eu, e eu... com vinte anos sei tão pouco!
Parece que a vida comigo está brincando.

Minhas notas são dissonantes para agora.
O teatro, realmente, está vazio
Todos se cansaram e foram embora.

Só a melodia me restou, sinto frio...
Corri inutilmente até lá fora,
Eles levaram meu último brio!

André

Aracati-Ce, 10 de outubro de 2006.






Friday, October 20, 2006

Sesta de um Pequeno Burguês

Ninguém escreve mais versos em prosa, mas eu sou obrigado a fazê-lo, porque não sei se o que sinto agora é ou não poesia... Aliás é poesia sim! Entretanto não tendo os dotes de um Drummond ou de um Apollinaire, escreverei como posso, escreverei o que acho, isto não é um artigo e nem será publicado... Quem publicaria o que pensa um pequeno burguês depois do almoço enquanto balouça-se em sua rede de varanda, na verdade, na verdade mesmo (porque nem sempre é verdade o que chamamos de verdade), queria pegar no sono e dormir a tarde inteira, mas daqui a pouco terei de retornar aos meus afazeres e daqui de cima vejo uma paisagem tão pacífica, há tantas aves cantando agora (essa história de que os galos só cantam de madrugada é pura lorota), e isso instintivamente me faz refletir e não sabem vocês o quanto é doloroso para um homem comum meditar. O que para os filósofos é um lazer, para nós é um terrível sofrimento, sofrimento sim, ou será que não é sofrimento ver esta vida desgraçada por nossas próprias mãos! Esta vida que poderia ser de mãos dadas, é uma vida de olhares sutis de desprezo, de medo, de repugnância! Meus livros estão logo ali na outra sala e de que me serviram? De que me servem as mais belas figuras de linguagem se a ninguém posso pronunciá-las! É melhor cobrir meu rosto com o lençol, quem sabe com a escuridão, não consiga adormecer. Mas mesmo com o rosto coberto o barulho dos galos cantando chega até mim, ou melhor, mesmo tentando evitar, a vida aqui embaixo do lençol cobra-me uma posição e eu queria que fosse tudo uma vida mais pacata e franca, com cadeiras na calçada ao entardecer, com conversas frívolas nas praças à noite e com missas nos domingos... Mas a vida não é assim, puxa vida! É não, afianço-lhe que não é não: os que se sentam na calçada à noite não o fazem para acompanhar pelo radinho de pilha a Voz do Brasil, não, sentam-se para futricar, bisbilhotar, sorrir falsamente aos que passam e assim sucede igualmente na Missa e na praça, tudo isso entre nós seres da mesma espécie, carentes das mesmas necessidades, que vida é esta meu Deus! Por que é assim? Por que tem que ser assim? E já começo a me entediar, daqui a pouco terei de enfrentar esses sorrisos falsos na volta para o trabalho... Será que é tão difícil para o ser humano descobrir uma forma de viver fraternalmente, sem demagogia! Temos os mesmos problemas, bolas, então por que não nos abrirmos uns com os outros, é tempo, ainda é tempo! Esqueçamos esse medo do julgamento que farão de nós, o ouro é ouro quer gostem ou não do seu brilho!
O celular está alarmando e eu tenho que ir. Torço para que tudo dê certo para que os seres que encontrar no caminho me sorriem francamente e para que eles também depois do almoço, num dia de domingo – quem sabe? - , possam durante a sesta, enquanto os galos cantam, refletir o quanto poderia ser diferente esta vida de dinheiro, de poder, de sangue, de orgulho, de instinto. Ah, oxalá que todos assim pensassem... Não quero ser um humanista, mas é que já tenho quarenta anos e nunca atravessei de pés descalços meu quintal! E só hoje foi que vim perceber que os galos também cantam de tarde, e como é belo ouvir a cadeia dos seus cantos estendendo-se pelos quintais vizinhos até o fim do mundo!
Ih! Já estou atrasado!

Aracati-Ce., 20 de outubro de 2006.

André Breton